domingo, 10 de março de 2013

UM CHÁ BEBE-SE EM SILÊNCIO!

Margareth acordou, mais cansada do que adormeceu. Fatidicamente olhou para o lado, e na cama assolava um corpo, indiferente e inócuo. Em passo apressado, entrou na banheira, ligou a torneira de água quente, e deixou a água escorrer no seu rosto pesado e esquálido. De olhos fechados deixava escorrer a espuma pelo seu corpo, suas mãos abraçavam o tronco, e sua cabeça girava ligeiramente. A mão esquerda acariciava o seu pescoço. Num bálsamo, a sua relíquia de banho foi subitamente interrompida... 

Abraçou a toalha, enrolou-a e prensou um nó junto aos seios, firmes e molhados. Suas pernas tilintavam de frio. Ao sair da casa de banho vislumbrou Thomas, em mais um dos seus ataques de tosse contínuos, proferia palavrões, e de forma birrenta declamava mil e um favores. Diariamente ouvia sempre os mesmos queixumes. Aquilo a que um comum mortal chama pedir ajuda, ela designava vandalismo verbal. 

Como em tudo aquilo que o ser humano pega, a vida tem um terrível defeito - o desgaste contínuo do tempo. À medida que os dias vão passando as vozes da rotina tornam-se quezilentas para os ouvidos, o encontro com o contínuo torna-se banal. Desapego, desprezo, descrença. 

Definitivamente ela decidiu ignora-lo. Deixou cair a toalha, percorreu o quarto nua, com os pés ainda molhados, até chegar ao seu destino. Abriu o armário, retirou o seu vestido azul petróleo. Em dois golpes, vestiu a sua roupa interior, e deslizou a sua vestimenta no corpo em contornos fugazes. Em passo apressado secou os seus cabelos encaracolados, aproveitando a ida para massajar, e colocar as suas collants pretas e opacas. O ritmo ácido e voraz das palavras de Thomas estavam a deixar Margareth impaciente. Ainda não estava preparada. E faltava ultimar os derradeiros pormenores.

Finalmente pronta, sentada na sua poltrona, diante da sua escrivaninha, mirava o esgar de dor do seu "adorado" marido. Imperial, e sem esperar, Thomas foi atropelado pela ira da mulher, após esta o sentenciar com um grito fulgurante. De forma sôfrega ele pedia auxílio, os ataques de asma aglomeravam-se aos pedidos de insulina.

Já não há solução para o actual, aquilo que se vê é cansaço, o que se sente é teatralizado. Os sorrisos de escárnio e o ritual diário chegariam ao fim. Pede-se revolução, e sem hipocrisia desmascara-se o mal, e todo o desgaste resultará em vingança!

Tudo demorou curtos mas longos segundos. Rapidamente apertou o gatilho, todavia o som se prolongou de forma espessa no tempo. O sangue começava a escorrer pelo braço esquerdo. Descaído até ao chão, a madeira da cama ficou tingida de vermelho. A camisa ensanguentada, de olhos abertos... e um leito que parecia o mar vermelho em ponto pequeno. 
Tranquilizou-se, soprou para o arrefecer... ainda quente pôs-se de pé. Levou a chávena à boca e saboreou o chá de camomila. De súbito descolou a caneca dos lábios ... "Thomas com ou sem açúcar?".

E o silêncio perpetuou.