terça-feira, 22 de janeiro de 2013

VIVER COM O ABRAÇO DE ALGUÉM


A última noite a dormir cerrado num cubículo, coberto de cobertores imundos, de um cheiro nauseante, conspurcado pela roupa suja, e os dejectos de dias. Um cenário medonho, em que o cheiro ultrapassava em muito o que a vista tinha de suportar. 

Com um sorriso de escárnio relembrou o momento que o tinha levado para a prisão. A mulher carregada de volúpia, de semblante frio, transportando um ódio incomensurável pelo seu filho. Aquele que ele mais amava, a mais bela das "damas negras" fez questão de rasgar a sua felicidade, a sua justificação de vida. Preso por 11 anos, por homicídio qualificado, o homem de barba grisalha, mãos rudes, com peito peludo e tonificado, guardava para si o sangue do filho a esvair nos seus braços, e o sarcasmo da sua vingança.  Sem contemplações, ele massacrou-a, torturando-a lentamente, para que o seu gemido se prolongasse o mais lentamente possível. Para que cada lágrima escorrida, cada grito de suplício, cada pedido de ajuda fosse cada vez mais prolongado de misericórdia. A sua dor foi contínua até ao último pedido de sacrilégio. O Diabo levou-a para o quinto dos infernos, porque ela saiu do mundo queimada pelas chamas da vingança. De um pai enfurecido, de um pai recheado de ira, de um pai a quem tinha sido retirado a sua explicação de vida. 

Ele saiu do Estabelecimento Prisional, e com a trouxa presa no seu braço, caminhou pelo passeio sem direcção, com um destino ainda por descobrir. A 500 metros de onde se encontrava, parou diante de um jardim infantil. Os seus olhos voltaram ténuamente a brilhar. Onze anos depois, debaixo dos primeiros flocos de neve que começavam a cair, ele viu um motivo para sorrir. Aproximou-se de um baloiço, sentou-se, e de forma ritmada colocou-se em andamento. As suas memórias recuaram em direcção ao rosto, à gargalhada barulhenta , à correria desenfreada de seu filho... 
Os ponteiros do relógio giravam velozmente, e sem dando por isso ficou envolto pelo frio gelado da noite que se iniciava. De repente, e convicto de que era uma miragem, a criança que baloiçava a seu lado parou, e dirigiu-lhe a mão. Timidamente, o miúdo perguntou: "O Senhor precisa de ajuda?". De lábios gretados, suas mãos estavam roxas, o seu rosto coberto de feridas, e as suas forças nem o permitiam colocar-se de pé. O homem não conseguiu responder, e simplesmente, chorou. Só as suas lágrimas conseguiram socorre-lo sob aquele pedido de ajuda.

Desconsolado, o homem ficou ali, quieto, não se movendo, a noite cerrou, e o seu futuro estava certo. Cada vez estava mais próximo de abraçar o seu filho.




2 comentários:

  1. Quero tanto ler o teu livro.

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    1. Va não subas muito os teus patamares porque vou defraudar, e muito, as tuas expectativas :/

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